TVZIMBO: A ASSESSORIA DE JOÃO PINTO AO ESTADO DE EMERGÊNCIA
(Comentário publicado por respeito aos seguidores da verdade científica)

Apenas hoje, tive a oportunidade de apreciar os argumentos do Jurista e Deputado João Pinto vasados no Jornal da tarde da TVZimbo contra os meus publicados em entrevista no NOVO JORNAL, na sua edição nº 630, de 10 de Abril, em que discorri sobre as irregularidades constitucionais do processo de regulação do Estado de Emergência (EE), e ao saber que afinal o Presidente da República legislou sobre os limites dos direitos fundamentais por força da Lei de Emergência Nacional nº17/91, de 11 de Maio, acabei por concluir que as inconstitucionalidades (orgânica e material) foram cometidas pela Assembleia Nacional, muito longe de macular os esforços legislativos do Presidente da República.
Quando alega que o Presidente da República legislou sobre as medidas do EE por força da Lei nº17/91, ficou-me também a impressão que ou defendeu essa visão por achar que devia fazê-lo por obrigação política, ou fê-lo por simples desconhecimento da técnica legislativa e da técnica da hermenêutica jurídica. Pois é elementar saber que lei nenhuma pode delegar competências legislativas de reserva absoluta da Assembleia Nacional como são a limitação dos direitos fundamentais.
Isso na verdade deturpa a correcta percepção da técnica legística que separa os actos legislativos de reserva relativa e os actos legislativos de reserva absoluta. O que nos obriga, por dever académico, a trazer algumas notas.
Em primeiro lugar é mister saber que todo e qualquer acto legislativo é da competência da Assembleia Nacional, que é o órgão legislativo por excelência entre os órgãos de soberania do Estado.
Por um lado, existem actos legislativos de RESERVA RELATIVA de competências da Assembleia Nacional que são todos aqueles que podem ser praticados pelo Presidente da República mediante autorizações legislativas da Assembleia Nacional e todos os outros que não sendo autorizados sejam legislados por razões de emergência com a condição de serem “ractificados” pela Assembleia Nacional, esses últimos actos justificam os Decretos Legislativos Presidenciais Provisórios.
Portanto, o Presidente da República não tem poderes legislativos próprios, como parece erradamente supor. Todos os diplomas legislativos produzidos pelo Presidente da República, sejam quais forem as matérias, decorrem da autorização directa (por força de resoluções da Assembleia Nacional que autorizam a legislar) ou da autorização indirecta (Decretos Legislativos Presidenciais Legislativos, desde que acabem sendo adoptados em forma de lei pela Assembleia Nacional).
Por outro, existem actos legislativos de RESERVA ABSOLUTA de competências da Assembleia Nacional que em nenhuma circunstância podem ser praticados por qualquer outra entidade. Nem mesmo pelo Presidente da República. Esse actos são todos aqueles que são da competência exclusiva da Assembleia Nacional, entre estes actos estão a limitação dos direitos fundamentais (art.º 164º, alínea c) - CRA).
Os actos legislativos de reserva absoluta, se forem erradamente autorizados para que sejam legislados pelo Presidente da República, como parece ser a defesa do aguerrido deputado, resultam sempre em actos inconstitucionais. Logo, como pode achar razoável que uma lei autorize o Presidente da República a restringir ou limitar matérias de reserva absoluta da Assembleia Nacional?
Sabendo da sua dedicação ao estudo da CRA acredito que tem consciência clara que a sua defesa favorece a ideia de inconstitucionalidade da Lei n.º17/91 e que nesse caso ela é inválida por força do princípio da supremacia constitucional (art.º 6.º - CRA).
O ilustre deputado disse bem que eu, Albano Pedro, na minha análise não levei em conta a Lei de Emergência Nacional nº17/91, de 11 de Maio. É evidente que não iria pelo seu caminho forçando uma possível inconstitucionalidade dessa lei. Não citaria uma lei que não pode evitar as irregularidades cometidas. Entretanto, está claro que as culpas decorrentes das irregularidades constitucionais não são do Presidente da República, mas dos deputados que acabaram prorrogando, curiosamente a declaração de emergência sem adoptar todos os decretos presidenciais sobre o EE em forma de lei na última sessão do Plenário da Assembleia Nacional.
Da parte do Presidente da República fica o mérito de ter declarado o EE e desencadear os mecanismos legais provisórios para que entrasse imediatamente em vigor. Pois em situação de emergência o cuidado com as normas não pode prevalecer sobre a aplicação das respectivas medidas, uma vez que o que está em causa é a própria vida humana que sustenta a razão do Direito através do princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Não há racionalidade nenhuma em salvar o Direito perigando e/ou matando a vida. Nesse caso a urgência justifica a inobservância dos procedimentos. É a necessidade de salvar o bem supremo- a vida - que dá significado ao estado de excepção constitucional. Daí defendermos, no âmbito do principio da necessidade constitucional, que apesar das irregularidades nos procedimentos, o EE é válido e eficaz sendo de cumprimento obrigatório por parte de todos os angolanos.
Da Assembleia Nacional fica o demérito de não ter formalizado as medidas do EE e a obrigação pendente de fazê-lo oportunamente curando de eliminar os vícios em causa. Aliás, se Assembleia Nacional não formalizar os actos legislativos, o Estado, através dos seus órgãos e serviços, poderá incorrer em ilegalidade e inconstitucionalidade pela prática de diversos actos durante o EE e levar os cidadãos lesados ou não a exigir indemnizações em tribunal. É uma omissão grave e que deve ser levada a sério.
De nada valem as justificações elaboradas para escapar aos erros cometidos, o caminho apontado pela maior virtude de todas – a humildade – é reconhecê-los e corrigi-los com a reposição da legalidade dos actos pela Assembleia Nacional. O que pode ocorrer logo que findar o estado de emergência. Felizmente, enquanto durar o EE esse formalismo não é obrigatório por força da excepção constitucional em vigor.
Uma última nota serve para dizer que os vícios que enfermam o processo de regulação das medidas de emergência emergiram fundamentalmente da má aplicação dos princípios de hermenêutica e de legística.
Quanto a técnica hermenêutica ela é geométrica por tender a resultados exactos tal como mandam as ciências exactas. Nesse particular, o Direito é uma Ciência Exacta, contrariamente ao que muitos juristas estranhamente entendem. Por força disso, os juristas, no processo de interpretação das leis não podem divergir. Quando duas opiniões entram em contradição diante de um mesmo texto normativo é porque uma delas está gravemente comprometida.
Pedirei desculpas se o ilustre jurista provar que a minha conclusão é que está comprometida.

Publicado no facebook a 11 de Abril de 2020.

Textos relaccionados:

http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/artigos/estado-de-necessidade-constitucional-o-estado-de-emergencia-em-angola


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